27/04/2011

Ode ao Gato

Bichos polêmicos sem o querer, porque sábios, mas inquietantes, talvez por isso. Nada é mais incômodo que o silencioso bastar-se dos gatos. O só pedir a quem amam. O só amar a quem os merece. O homem quer o bicho despojado, submisso, cheio de súplica, temor, reverência, obediência. O gato não satisfaz as necessidades doentias do amor. Só as saudáveis. Lembrei, então, de dizer, dos gatos, o que a observação de alguns anos me deu. Quem sabe, talvez, ocorra o milagre de iluminar um coração a eles fechado? Quem sabe, entendendo-os melhor, estabelece-se um grau de compreensão, uma possibilidade de luz e vida onde há ódio e temor? Quem sabe São Francisco de Assis não está por trás do Mago Merlin, soprando-me o artigo?
Já viu gato amestrado, de chapeuzinho ridículo, obedecendo às ordens de um pilantra que vive às custas dele? Não! Até o bondoso elefante veste saiote e dança a valsa no circo. O leal cachorro no fundo compreende as agruras do dono e faz a gentileza de ganhar a vida por ele. O leão e o tigre se amesquinham na jaula. Gato não. Ele só aceita uma relação de independência e afeto. E como não cede ao homem, mesmo quando dele dependente, é chamado de arrogante, egoísta, safado, espertalhão ou falso. "Falso", porque não aceita a nossa falsidade com ele e só admite afeto com troca e respeito pela individualidade. O gato não gosta de alguém porque precisa gostar para se sentir melhor. Ele gosta pelo amor que lhe é próprio, que é dele e ele o dá se quiser.
O gato devolve ao homem a exata medida da relação que dele parte. Sábio, é espelho. O gato é zen. O gato é Tao. Ele conhece o segredo da não-ação que não é inação. Nada pede a quem não o quer. Exigente com quem ama, mas só depois de muito certificar-se. Não pede amor, mas se lhe dá, então ele exige. Sim, o gato não pede amor. Nem depende dele. Mas, quando o sente, é capaz de amar muito. Discretamente, porém sem derramar-se. O gato é um italiano educado na Inglaterra. Sente como um italiano, mas se comporta como um lorde inglês.
Quem não se relaciona bem com o próprio inconsciente não transa o gato. Ele aparece, então, como ameaça, porque representa essa relação precária do homem com o (próprio) mistério. O gato não se relaciona com a aparência do homem. Ele vê além, por dentro e pelo avesso. Relaciona-se com a essência. Se o gesto de carinho é medroso ou substitui inaceitáveis (mas existentes) impulsos secretos de agressão, o gato sabe. E se defende do afago. A relação dele é com o que está oculto, guardado e nem nós queremos, sabemos ou podemos ver. Por isso , quando surge nele um ato de entrega, de subida no colo ou manifestação de afeto, é algo muito verdadeiro, que não pode ser desdenhado. É um gesto de confiança que honra quem o recebe, pois significa um julgamento.
O homem não sabe ver o gato, mas o gato sabe ver o homem. Se há desarmonia real ou latente, o gato sente. Se há solidão, ele sabe e atenua como pode (ele que enfrenta a própria solidão de maneira muito mais valente que nós). Se há pessoas agressivas em torno ou carregadas de maus fluidos, ele se afasta. Nada diz, não reclama. Afasta-se. Quem não o sabe "ler" pensa que "ele não está ali. Presente ou ausente, ele ensina e manifesta algo. Perto ou longe, olhando ou fingindo não ver, ele está comunicando códigos que nem sempre (ou quase nunca) sabemos traduzir.
O gato vê mais e vê dentro e além de nós. Relacionam-se com fluidos, auras, fantasmas amigos e opressores. O gato é médium, bruxo, alquimista e parapsicólogo. É uma chance de meditação permanente ao nosso lado, a ensinar paciência, atenção, silêncio e mistério. O gato é um monge portátil à disposição de quem o saiba perceber. Monge, sim, refinado, silencioso, meditativo e sábio monge, a nos devolver as perguntas medrosas esperando que encontremos o caminho na sua busca, em vez de o querer preparado, já conhecido e trilhado. O gato sempre responde com uma nova questão, remetendo-nos à pesquisa permanente do real, à busca incessante , à certeza de que cada segundo contém a possibilidade de criatividade e de novas inter-relações, infinitas, entre as coisas.
O gato é uma lição diária de afeto verdadeiro e fiel. Suas manifestações são íntimas e profundas. Exigem recolhimento, entrega, atenção. Desatentos não agradam os gatos. Bulhosos os irritam. Tudo o que precise de promoção ou explicação, quer afirmação. Vive do verdadeiro e não se ilude com aparências. Ninguém em toda natureza aprendeu a bastar-se (até na higiene) a si mesmo como o gato!Lição de sono e de musculação, o gato nos ensina todas as posições de respiração ioga. Ensina a dormir com entrega total e diluição recuperante no Cosmos. Ensina a espreguiçar-se com a massagem mais completa em todos em todos os músculos, preparando-os para a ação imediata. Se os preparadores físicos aprendessem o aquecimento do gato, os jogadores reservas não levariam tanto tempo (quase 15 minutos) se aquecendo para entrar em campo. O gato sai do sono para o máximo de ação, tensão e elasticidade num segundo. Conhece o desempenho preciso e milimétrico de cada parte do seu corpo, a qual ama e preserva como a um templo.
Lição de saúde sexual e sensualidade. Lição de envolvimento amoroso com dedicação integral de vários dias. Lição de organização familiar e de definição de espaço próprio e território pessoal. Lição de anatomia, equilíbrio, desempenho muscular. Lição de salto. Lição de silêncio. Lição de descanso. Lição de introversão. Lição de contato com o mistério, com o escuro, com a sombra. Lição de religiosidade sem ícones. Lição de alimentação e requinte. Lição de bom gosto e senso de oportunidade. Lição de vida, enfim, a mais completa, diária, silenciosa, educada, sem cobranças, sem veemências, sem exigências.
O gato é uma chance de interiorização e sabedoria posta pelo mistério à disposição do homem.
Artur da Távola


"A verdadeira bondade do homem só pode se manifestar com toda a  pureza, com toda a liberdade, em relação aqueles que não 
representam nenhuma força. 
O verdadeiro teste moral da humanidade
(o mais radical, num nível tão profundo que escapa ao nosso olhar)
são as relações com aqueles que estão à nossa mercê: Os animais. 
É aí que se produz o maior desvio do homem, derrota 
fundamental da qual decorrem todas as outras." 
(Milan Kundera) 

7 comentários:

  1. Por estas e outras que o gato era um quase deus no antigo Egito.

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  2. Oi querida!!!
    Tudo bem?
    Adorei o seu blog, parabéns!
    Estou te seguindo, gostaria de convidá-la a visitar o meu e conhecer a minha personagem menina limão, ela é cômica e tem vários vídeos.
    Fica com Deus,
    beijos

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  3. O texto e a observação, muito aprimorada, do Artur da Távola sobre este felinos é 10. Isto é indiscutível.

    Agora o vídeo... este é fantástico! Dá pra ver a interação do gato com a musica. Não é outra coisa, senão ele curtindo mesmo, a musica. Pra mim, foi a novidade do dia!

    bjs

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  4. Olá minha queridíssima amiga !!!

    Simplesmente amei este texto !!!
    Eu sou apaixonada por gatos e por isso mesmo sempre me questionei porque a maioria das pessoas não gosta.. E o artigo descreve estas razões muito bem !
    O homem antipatiza com o gato e lhe chama de falso... mas é o animal mais sincero que conheço ! Ele faz exatamente o que quer, demonstra afeto quando realmente sente e como mencionado, é mesmo um Lord inglês ! Gatos não gostam de gente espalhafatosa que fala alto e gesticula muito, já percebeu ? Logo ficam irriquietos e não toleram movimentos bruscos, esperam de nós a mesma suavidade e elegância que possuem...
    Eu tenho uma gatinha e ela é surpreendente, e às vezes me pego pensando sobre o que diziam os egípcios, pois eles às vezes, são tão intrigantes que parecem mesmo ligados a algo maior que nossa percepção..
    Amei !!

    Um super beijo marcial !

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  5. Oi minha querida amiga Alba!
    Eu acho que os gatos são elegantes e majestosos! Já escutei muitas pessoas dizerem que são traiçoeiros, mas o que vejo, na verdade, é que são independentes, livres e comprometidos com eles. Nunca vi um gato andar com a cabeça baixa... Respeito a sua imponência! Hoje não me agrada ter qualquer animal em minha casa, mas já tive muitos na infância e adolescência, porém, não deixo de admirar toda a beleza e tampouco de aprender alguma coisa com eles...
    Grande beijo, amiga! Belo post! Parabéns!
    Jackie

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  6. Olá, Alba!
    Nunca gostei muito de gatos, mas com o tempo apredi a respeitar sua força.
    Bjs!
    Rike.

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  7. Eu fiquei lembrando de algumas fotos recentes de Laura colocando a Lola para tocar o pianinho dela. Felizmente, Lola não reclamou e nem mordeu!
    Eu sou fã de gatos... o que mais posso dizer?
    Então, adoro ler o que as pessoas tem a dizer.

    Beijos

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